Especialistas consultados pela CNN avaliaram como retrocesso os decretos assinados na última quinta-feira (5) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que flexibilizam o marco legal do saneamento básico.
“No geral, é um retrocesso. As medidas não são boas, dá uma sinalização ruim pois diminui a competição pelo mercado. Você permite que estatais possam operar em uma microrregião sem licitação, o que é contrário à concorrência e contrário ao principio das licitações públicas”, disse o economista Gesner Oliveira, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-presidente da Sabesp.
De acordo com o Ministério das Cidades, os ajustes trazidos pelos novos decretos permitirão que 1.113 municípios voltem a acessar recursos de saneamento básico do Governo Federal para que cumpram a meta de universalização, dando nova oportunidade para que empresas estaduais possam comprovar sua capacidade econômico-financeira de realizar os investimentos.
Pelas regras atuais, esses municípios, que reúnem 29,8 milhões de brasileiros, tiveram seus contratos com os prestadores estaduais declarados irregulares e, portanto, não poderiam contar com verbas federais para buscar a universalização.
Neste contexto, as medidas oferecem um bote de salvação para diversas empresas estatais que desrespeitaram prazos anteriores do novo marco legal. Além de trazer uma flexibilidade maior para contratos irregulares (vencidos ou inexistentes, mas com companhias estatais operando nos municípios).
Para o ex-presidente da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e ex-presidente da Sabesp Jerson Kelman, o marco legal criou incentivos para regionalização, uniformização regulatória e competição no setor, diferente do cenário anterior, em que empresas estatais obtinham contratos sem concorrência.
Segundo ele, os decretos assinados por Lula enfraquecem os avanços alcançados pela legislação original.
“São três grandes avanços que foram muito atenuados pelos decretos de Lula, que atenderam, essencialmente, os interesses dos governadores que tinham empresas atrasadas, empresas estatais ineficientes, que foram beneficiadas em detrimento do interesse da população”, disse Kelman em entrevista à CNN.
Por outro lado, o especialista elenca um ponto que considera positivo: os leilões por menor tarifa, não por maior outorga.
Ou seja, se um governo estadual ou municipal vai conceder os serviços de saneamento, que seja por menor tarifa para os usuários finais, e não tendo como critério o maior valor de outorga no leilão.
“O ideal é que [a outorga] seja pela tarifa mais baixa possível ou que se universalize o mais rápido possível. Esse é o único item dos decretos que eu considero positivo, e o que temo é que quando for para o Congresso, supostamente para corrigir mazelas, essa única vantagem seja erodida.”
Gesner Oliveira chama a atenção ainda para a necessidade de que haja estabilidade. Segundo ele, o ambiente jurídico é importante para que o setor privado tome decisões sobre investimento. Logo, uma legislação que é alterada em apenas três anos pode prejudicar novos projetos.
“Para um novo marco funcionar é muito importante ter a estabilidade das regras. Além de mudar para a direção errada, ficar mudando ela para colocar uma marca do governo e atender determinadas corporações é ruim. Estamos falando do maior programa socioambiental que o país tem. O governo está sendo insensível ao social”, disse.
A legislação, sancionada em 2020, abriu caminho para maior presença da iniciativa privada na prestação dos serviços de água e esgoto. Em menos de três anos, houve 21 leilões de concessão no setor, que abrangem 244 municípios e resultaram em investimentos contratados de R$ 82 bilhões.
No entanto, quase metade da população brasileira ainda não tem acesso a esgoto tratado e mais de 5.000 piscinas olímpicas de dejetos são despejados in natura, por dia, nos rios e mares do país.
CNN
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