O papa Francisco defendeu a descriminalização da homossexualidade e disse que a Igreja Católica deve acabar com “leis injustas” que afirmam o contrário. Em entrevista à Associated Press publicada nesta quarta (25), porém, o pontífice reforçou a posição doutrinária que trata a homossexualidade como pecado.
“Ser homossexual não é crime”, disse ele. “Não é crime. Sim, mas é um pecado. Tudo bem, mas primeiro vamos distinguir um pecado de um crime. Também é pecado não ter caridade com o próximo.”
Em 2013, seu primeiro ano à frente da Igreja Católica, Francisco se declarou inapto a rejeitar homossexuais que buscassem o conforto de Deus. “Quem sou eu para julgar?”, disse à época. A fala encheu católicos LGBTQIA+ com a esperança de serem acolhidos sem ressalvas no seio da instituição.
Oito anos depois, Francisco deu sinal verde para o Vaticano divulgar a diretriz para que clérigos não abençoe uniões entre pessoas do mesmo sexo. “Deus não pode abençoar o pecado”, diz o documento da Congregação para a Doutrina da Fé, que formula normas para os fiéis da maior vertente cristã do mundo.
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Na entrevista, Francisco reconheceu que lideranças católicas em algumas partes do mundo ainda apoiam leis que criminalizam a homossexualidade ou discriminam a comunidade LGBTQIA+. “Esses bispos precisam ter um processo de conversão”, afirmou o pontífice, acrescentando que tais lideranças devem agir com ternura —”por favor, como Deus tem por cada um de nós”.
De acordo com o Human Dignity Trust, organização sediada em Londres que mapeia direitos e desafios dos LGBT pelo mundo, ao menos 67 países e territórios criminalizam a atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo. Em 11 desses países, homossexuais podem ser punidos com a morte. O papa descreveu essas legislações como “injustas” e disse que a igreja deve trabalhar para acabar com elas. “Somos todos filhos de Deus, e Deus nos ama como somos e pela força com que cada um luta pela nossa dignidade.”
O Catecismo católico se refere à homossexualidade como “atos de grave depravação”, descritos como “intrinsecamente desordenados”. “São contrários à lei natural. Fecham o ato sexual ao dom da vida. Não procedem de genuína complementaridade afetiva e sexual. Em hipótese alguma podem ser aprovados.”
A igreja defende, porém, que homossexuais “sejam aceitos com respeito, compaixão e sensibilidade” e diz que “todo sinal de discriminação injusta deve ser evitado”. Ponderando que a “gênese psicológica” da homossexualidade é inexplicada, a norma católica preconiza a castidade para pessoas LGBTQIA+. “Essas pessoas são chamadas a cumprir a vontade de Deus em suas vidas e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da Cruz do Senhor as dificuldades que possam encontrar em sua condição”, diz o Catecismo.
Como líder da igreja há dez anos, Francisco não mudou as diretrizes doutrinárias nesse sentido. Algumas de suas falas, porém, são vistas como, se não mais progressistas, mais acolhedoras à comunidade LGBT.
“Pessoas homossexuais têm o direito de estar em uma família. Elas são filhas de Deus e têm direito a uma família. Ninguém deveria ser descartado [dela] ou ser transformado em miserável por conta disso”, afirma o papa no documentário “Francesco”, lançado em 2020.
No filme, a fala do pontífice vem logo após ele ler uma carta de um homem gay que adotou três crianças com seu parceiro. Nela, o homem explica que gostaria de ir com o companheiro e os filhos às missas em sua paróquia, mas temia que as crianças fossem hostilizadas. Segundo o Vaticano, a fala do papa foi tirada de contexto e construída a partir de suas respostas a duas perguntas diferentes.
Em janeiro de 2022, Francisco fez um apelo para que pais não condenem seus filhos devido à orientação sexual. Ele falava sobre a dificuldade que os pais podem enfrentar na criação de filhos quando elencou a importância de “não se esconder atrás de uma atitude de condenação” diante de filhos LGBTQIA+.
Na ocasião, também defendeu que a igreja pode e deve apoiar leis de união civil destinadas a dar a casais homoafetivos direitos igualitários em áreas como acesso a saúde e compartilhamento de bens.
Um dos principais opositores à união homoafetiva na Igreja Católica era Bento 16, antecessor de Francisco morto em dezembro. Em biografia autorizada publicada em maio de 2020, ele comparou a prática ao “anticristo”. “Há um século seria considerado absurdo falar sobre casamento homossexual. Hoje, quem se opõe a ele é excomungado da sociedade”, afirmou. “A sociedade moderna está formulando um credo ao anticristo que supõe a excomunhão da sociedade quando alguém se opõe”.
Folha de São Paulo
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