Foto: Ricardo Stuckert
Criticado por ter viajado à Índia na semana passada em vez de visitar cidades do Rio Grande do Sul assoladas por enchentes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inverteu a lógica na escolha de destinos em relação aos seus mandatos anteriores e reduziu o tempo que passou rodando o país.
De janeiro até agora, o presidente ficou fora de Brasília por 57 dias para cumprir agendas dentro do território nacional — 28 a menos do que quando assumiu a Presidência da República pela primeira vez, em 2003. Enquanto isso, passou mais tempo no exterior, 67 dias, superando o início de seus dois primeiros mandatos.
O Nordeste aparece como a região favorita de Lula para as suas viagens nacionais. Até este mês, foram 16 passagens, incluindo períodos de descanso nos feriados de carnaval e Corpus Christi. Só para a Bahia o presidente foi sete vezes, inclusive em seus dias de folga.
O presidente também escolheu a Bahia para fazer lançamentos importantes do governo, como a retomada do Minha Casa Minha Vida, programa vitrine das gestões petistas; o Programa Escola em Tempo Integral; e a sanção da Lei Paulo Gustavo, uma das principais políticas para a área cultural. O estado é governado pelo petista Jerônimo Rodrigues, que sucedeu Rui Costa, atual ministro da Casa Civil.
Entre os estados, contudo, o principal destino foi São Paulo, que recebeu o presidente 11 vezes. Foi para lá que Lula fez sua primeira viagem após assumir seu terceiro mandato, para participar do enterro do Pelé e foi também onde escolheu passar o seu feriado de Páscoa. Essa viagem, no entanto, precisou ser interrompida em razão dos temporais no Maranhão.
Diferentemente da Bahia, São Paulo é comandado por um aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, o governador Tarcísio de Freitas, que chegou a ser atacado após encontros com Lula.
Ausência incômoda
Antes de embarcar para mais um tour internacional, na sexta-feira, Lula chegou a pedir a auxiliares que incluíssem no roteiro uma passagem por Pernambuco, onde pretendia anunciar a retomada das obras da refinaria Abreu e Lima. A visita chegou a ser confirmada pelo Planalto, mas foi cancelada na véspera por falta de tempo. O presidente seguiu direto para Cuba, onde cumpriu compromissos ontem, antes de ir a Nova York para participar da abertura da Assembleia Geral da ONU, na terça-feira.
Apesar da agenda nacional mais enxuta, o tempo que o presidente passou fora do país é o que vem gerando mais ruídos internos. No começo da sua gestão, por exemplo, o governo teve uma série de derrotas no Congresso, e a ausência de Lula nas negociações foi um dos principais pontos citados por parlamentares para justificar as dificuldades. À época, o petista sofria críticas em razão do desequilíbrio entre volume de sua agenda internacional na comparação com a dedicação para a construção da base do governo.
Contabilizando a viagem para Nova York, o número de dias ausente é 55% maior do que o total registrado em 2003, quando ficou 43 dias fora do Brasil de janeiro até o fim de setembro.
As viagens de Lula também são interpretadas como uma estratégia para ganhar tempo e arrastar decisões. Um exemplo foi a última reforma ministerial, desenhada para acomodar o PP e o Republicanos. Lula finalizou o arranjo às vésperas de embarcar para a Índia, após dois meses de negociação. As mudanças chegaram a ser adiadas em meio a agendas de viagens.
“Essas viagens têm feito Lula ganhar tempo de algum modo. O Lula é um sujeito forjado na negociação, e com o Arthur Lira e com o Centrão não é nada fácil. O Lula opera também nos silêncios. Ele ganha tempo com essas viagens”, analisa o cientista político Carlos Melo, professor do Insper.
A agenda intensa de Lula deve ter uma pausa de aproximadamente seis semanas para que o presidente se recupere de uma cirurgia do quadril, prevista para acontecer entre a última semana deste mês e a primeira semana de outubro.
O presidente sofre com intensas dores na cabeça do fêmur, provocadas por uma artrose. Em julho, Lula reclamou publicamente de suas dores durante uma live e afirmou que que tem ficado “irritado, “nervoso” e de “mau humor”. No mês passado, quando esteve na África, conforme o GLOBO apurou, Lula voltou a reclamar de dores e em alguns momentos, apareceu mancando.
A falta de conforto do atual avião presidencial é uma das justificativas do Palácio do Planalto para estudar trocá-lo por um mais moderno. O objetivo é que a nova aeronave tenha autonomia suficiente para fazer voos diretos nas viagens internacionais, além de oferecer mais estrutura de trabalho. A Aeronáutica deve abrir, ainda neste ano, um edital para adquirir um modelo — provavelmente usado — já adaptado para o segmento VIP, com valor próximo de US$ 80 milhões.
O Globo, por Alice Cravo
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