Adversários e até aliados reagiram à fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante viagem ao Uruguai nesta quarta-feira, quando o petista chamou o ex-presidente Michel Temer de “golpista”, em alusão ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. A declaração provocou desconforto em partidos da base como MDB e União Brasil, deu munição para provocações da direita e reacendeu disputas antigas com rivais como o PSDB.
Com indicações em ministérios importantes na gestão Lula, o MDB procurou tratar o mal-estar internamente, mas não deixou de compartilhar em seu perfil oficial a reação de Temer. O ex-presidente respondeu Lula com ironia ao dizer que recuperou o país da maior recessão da História e que o episódio na verdade tratou-se de um “golpe de sorte”. Na semana passada, a sigla já havia classificado como “um erro” a referência ao afastamento de Dilma como golpe numa publicação institucional no site do governo federal.
O presidente do MDB, Baleia Rossi, não se pronunciou. Aliados, no entanto, admitem o incômodo na legenda e lembram que Baleia tem se empenhado e ido a Brasília de forma assídua para ajudar o governo Lula na discussão da reforma tributária, proposta tida como vital para a recuperação da economia. Na sigla, existe certa compreensão da mágoa dos petistas. Por outro lado, lideranças dizem que a declaração de Lula não ajuda e reiteram que o país tem problemas reais mais graves para tratar.
Também na base do governo, Luciano Bivar, que é presidente do União Brasil, disse que Lula “foge da realidade factual”.
“Eu não sou antropólogo e nem outro estudioso qualquer da natureza humana. Mas ninguém foge à realidade factual. Fugir disso é negar a sociologia, a antropologia e todos os estudos que dizem respeito à sociedade em evolução”, afirmou Bivar.
Ex-ministro na gestão de Jair Bolsonaro, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) reagiu nas redes sociais. Disse que a declaração ataca a ministra Simone Tebet (Planejamento). Além de Tebet, outros integrantes de ministério de Lula como José Múcio (Defesa) e Carlos Fávaro (Agricultura) também foram favoráveis ao afastamento de Dilma. Até mesmo o vice-presidente Geraldo Alckmin, que inicialmente resistiu, aderiu ao impeachment. Nas eleições de 2022, no entanto, Alckmin recuou e disse que não foi golpe, mas que foi injusto.
Líder do MBL representa contra Lula
Mesmo personagens forjados na política durante o impeachment de Dilma aproveitaram o assunto para fustigar o PT e Lula. Um dos líderes do Movimento Brasil Livre (MBL), o deputado federal Kim Kataguiri (UB-SP) representou contra Lula na recém criada Procuradoria Nacional da Defesa da Democracia e acusou o presidente de disseminar fake news ao afirmar que o impeachment de Dilma foi golpe.
Especialista em direito constitucional, Vera Chemin rebate a tese de “golpe”. Chemin afirma que o impeachment cumpriu o rito de um processo constitucional, com trâmite na Câmara dos Deputados, no Senado Federal e no próprio Supremo Tribunal Federal (STF).
“A partir do momento em que a ex-presidente Dilma foi enquadrada em um ou mais dispositivos da Lei do Impeachment não há que se falar em “golpe de Estado”. É preciso, sim, respeitar a admissibilidade da acusação pela Câmara do Deputados e a decisão final do Senado Federal, competente constitucionalmente para sentenciar o seu impeachment, sob a presidência de um dos Ministros do STF, conforme dispõe aquela legislação, em consonância com os dispositivos da Constituição Federal de 1988.”
Procurado pelo Globo, o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr., um dos autores do pedido de impeachment de Dilma, preferiu não se manifestar. Na terça-feira, Reale disse ao jornal o Estado de S.Paulo que a declaração de Lula é “inoportuna”:
“Houve um processo regular previsto na Constituição, tendo a OAB federal também entrado com igual pedido em face do desastre da recessão que jogou o país na miséria. O PT entrou com mais de cem pedidos de impeachment contra FHC. É uma narrativa que não ajuda o país agora, disse o jurista, que apoiou Lula no segundo turno da eleição de 2022”, afirmou Reale ao jornal paulista.
Quem também reitera esse argumento é uma das autoras do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma, a deputada estadual Janaína Paschoal (PRTB). Ela disse que Lula se assemelha a Bolsonaro ao recorrer à retórica do golpe e falar apenas para seu núcleo duro.
“Ele (Lula) esquece que foi eleito por uma frente ampla com quadros que apoiaram e votaram o impeachment. Bolsonaro afundou por não compreender que foi eleito por uma pluralidade. Lula está mergulhando no mesmo erro. Estamos vivendo um pêndulo do mal.”
Autor do último voto do impeachment de Dilma, o presidente do PSDB, Bruno Araújo, adotou tom semelhante ao de Nogueira e disse que Lula está “preso a uma retórica de palanque”.
“Ele (Lula) tenta esquecer, por exemplo, que o presidente do STF presidiu a sessão do impeachment ou que boa parte do seu governo tem integrantes que votaram pelo impeachment. Pena que com tantos problemas reais que o país tem, fique preso a uma narrativa que desrespeita às instituições do Estado brasileiro”, disse Araújo.
O Globo
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