É um equívoco grave a forma como a equipe de transição encara a questão previdenciária. Pelas informações preliminares, a intenção é rever as regras da reforma da Previdência de 2019 em dois pontos: pensão por morte e aposentadoria por invalidez. Se houver aumento em ambas sem redução equivalente noutras rubricas, estará contratado um aumento substancial num dos maiores gastos do Estado — mais gasolina para inflamar a já explosiva bomba fiscal armada para o início da gestão Luiz Inácio Lula da Silva.
Parece inacreditável que os economistas ligados ao PT não entendam os desafios do Brasil. Com o aumento da expectativa de vida, os gastos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) saíram de 6% do PIB em 2002 para quase 10% no ano passado. Há vários anos a receita fica abaixo da despesa. O problema só tende a piorar com o envelhecimento da população.
Foi com o objetivo de começar a resolvê-lo que há três anos o governo Jair Bolsonaro, aproveitando negociações iniciadas na gestão Michel Temer, promoveu a reforma para aumentar o período de contribuição, elevar a idade mínima para aposentadoria e limitar o valor de pensões, entre outros pontos. Com a aprovação, calculou-se uma economia de R$ 1 trilhão no período entre 2020 e 2029. Caso o PT vá em frente com a ideia de alterar a reforma, aproximadamente 20% desse impacto positivo simplesmente virará pó.
Um novo governo deveria preparar uma nova reforma para enfrentar problemas não resolvidos pela anterior. Não falta o que fazer. Levando em conta as projeções demográficas, é preciso aumentar a idade de aposentadoria para homens, diminuir a distância nas regras para ambos os gêneros e elevar as idades exigidas no meio rural. Para não falar na barafunda de privilégios que restaram intocados, de professores a militares. O economista Paulo Tafner defende um gatilho automático para aumentar a idade de aposentadoria em função de dados demográficos.
Para justificar o aumento na pensão por morte e a aposentadoria por invalidez, integrantes da equipe de transição alegam que a reforma prejudicou os mais pobres. É uma afirmação que precisaria ser embasada com dados. Caso seja comprovado que ela foi determinante no aumento da pobreza, a equipe de transição deveria identificar as famílias afetadas, dizer quem são e onde vivem. De posse de tais informações, seria possível analisar se há programas sociais capazes de atendê-las ou demanda para criar algum outro com novo foco. Daria para atacar assim o problema de quem realmente precisa de ajuda, sem criar uma nova regra que abarca todos, dura para sempre e agrava o déficit da Previdência.
A Previdência jamais deveria ser encarada como programa social. Ela tem outra finalidade, e um dos principais problemas do arcabouço previdenciário brasileiro é justamente cumprir uma função que não está na sua natureza. Desfazer essa confusão é um objetivo que a reforma de 2019 infelizmente foi incapaz de cumprir. Criar programas sociais com foco, separados da Previdência, deveria ser outra meta de quaisquer novas mudanças.
Lula prometeu na campanha que promoveria mudanças na Previdência. Se for em frente com o plano de sua equipe de transição, jamais poderá ser acusado de ter promovido um estelionato eleitoral. O estelionato será com as gerações futuras, que ficarão com a conta.
O Globo
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